Enquadramento
O Aneurisma da Aorta Abdominal (AAA) é uma dilatação da artéria aorta abdominal superior a 3 cm. Encontra-se associado ao tabagismo, hipertensão arterial e idade avançada, entre outros. É mais frequente após os 60 anos e em maior proporção nos homens que em mulheres, podendo apresentar distribuição familiar, a qual merece particular atenção.
Habitualmente assintomático, o AAA pode manifestar-se de forma inaugural através do quadro clínico de ruptura (dor abdominal, hipotensão, lipotímia e palidez), sendo esta a sua complicação mais grave pela elevada mortalidade associada (mais de 50%).
Os grupos de risco, sobretudo homens fumadores com mais de 65 anos, mas também doentes com manifestações clínicas de aterosclerose (doença arterial dos membros inferiores ou coronária), devem ser submetidos a rastreio do AAA, nomeadamente, através de exame de ecografia abdominal com Doppler.
O tratamento do AAA é fundamental para prevenção da sua ruptura e atualmente pode ser efectuado através de cirurgia convencional (cirurgia aberta do abdómen) ou por técnicas endovasculares de menor invasibilidade (EVAR).
Rastreio de Aneurisma da Aorta Abdominal
Chichester, MASS e Viborg foram ensaios randomizados pioneiros na Europa, com o objectivo de avaliar a exequibilidade e benefício do rastreio do AAA. Os seus resultados foram apreciados exaustivamente e sustentaram posteriormente a implementação de programas nacionais de rastreio, nomeadamente, no Reino Unido e Suécia.
O rastreio do AAA cumpre os principais requisitos da Organização Mundial de Saúde para rastreios populacionais sistemáticos.
A prevalência na população estudada (em particular homens com mais de 65 anos), nos ensaios acima referidos, foi de 4 a 7%. A ecografia abdominal para apreciação do diâmetro da aorta abdominal é um método não invasivo, acessível e de baixo custo, óptimo para screnning populacional.
A ruptura do AAA implica intervenção emergente associada a morbi-mortalidade significativa (30 a 50%), bastante superior à mesma intervenção, com carácter electivo em doentes com AAA assintomático (1 a 4%). Existe um óbvio benefício entre a intervenção emergente e a electiva, sendo para isso fundamental a identificação do AAA antes da sua derradeira complicação, a ruptura. O rastreio é fundamental para cumprir este último desiderato, pois a maioria dos doentes com AAA são assintomáticos. O diagnóstico dito incidental, apesar de se verificar não é preponderante, ou não o deveria ser no âmbito da Medicina actual.
Reforçando o acima descrito, as conclusões dos ensaios de referência e com forte evidência, mostraram significativa redução da mortalidade relacionada com o AAA nos homens, por diminuição dos eventos de ruptura, mas também efeito benéfico, mais ligeiro, na mortalidade por todas as causas. Os resultados de meta-análises mostraram que o número necessário de doentes a rastrear (NNR) para prevenir uma morte por AAA foi de 238 (redução de mortalidade de 4/1000), o que é extremamente relevante e favoravelmente comparável a programas clássicos de rastreio do cancro da mama que apresentam NNR de 1339 (redução de mortalidade 0.7/1000).
Realçamos que muito embora a prevalência do AAA tenha vindo a decrescer desde os anos 90, resultado provável do efeito favorável de políticas de saúde em áreas como o tabagismo e a hipertensão arterial, o rastreio continua a revelar-se custo/benefício eficaz se a prevalência se mantiver acima de 1%. “A Aorta não avisa”, um dos últimos rastreios de baixa escala em Portugal (menos de 2000 exames), mostrou prevalência de 3.9% em homens com mais de 65 anos. Se assistirmos a uma queda consistente da prevalência em homens com mais de 65 anos, o rastreio terá que ser dirigido a sub-grupos onde a prevalência seja mais elevada, como homens com mais de 65 anos fumadores, com história familiar ou outro aneurisma periférico conhecido.
Em 2019 a European Society for Vascular Surgery (ESVS) emitiu guidelines em que recomenda rastreio através de ecografia abdominal para todos os homens com mais de 65 anos (Classe I, nível A), mas não para mulheres (Classe III, nível B); bem como para todos os homens e mulheres acima dos 50 anos, com familiar em 1º grau com AAA (Classe IIb, nível C) e/ou aneurisma periférico (Classse IIb, nível C).
O mesmo documento recomenda ainda um plano de vigilância ecográfica trianual para AAA de 3 a 3.9cm, anual para AAA de 4 a 4.9cm e a cada 3/6 meses para AAA com mais de 5 cm. A indicação para intervenção cirúrgica electiva, baseada no diâmetro, é de 5,5cm nos homens e de 5 cm nas mulheres.
É recomendação da ESVS de 2019 oferecer para a maioria dos doentes com anatomia aneurismática favorável e esperança de vida razoável, a modalidade de tratamento endovascular, conhecida como EVAR. A opção de cirurgia convencional/aberta deve ser reservada para doentes jovens de baixo risco operatório.
Fomos pioneiros na introdução da técnica de EVAR em 2016 no Hospital Distrital de Santarém, tendo contribuído para uma mudança de paradigma no que concerne o tratamento do AAA.
Conclusões
A evidência suporta a realização de rastreio populacional de AAA, em homens com mais de 65 anos, tendo custo-benefício significativo. Um programa de rastreio pode reduzir a mortalidade por AAA em 4/1000, prevenindo uma morte a cada 238 indivíduos rastreados, comparando favoravelmente com programas de rastreio reconhecidos e implementados, como os do cancro da mama ou próstata. A ecografia abdominal é o exame ideal e amplamente disponível para o rastreio do AAA, permitindo o diagnóstico e a célere referenciação a um centro vascular para tratamento.